É uma das personalidades mais influentes do Marketing em Espanha, tendo mesmo ganho o prémio de Diretora de Marketing do ano em 2024, quando olhamos para o percurso da portuguesa Inês Fonseca é em salas de reuniões ou em frente a gráficos que a contamos encontrar. Surpreendeu-nos, pois, encontrá-la pelos palcos portugueses, de microfone à frente e guitarra na mão. Inês leva uma vida dupla, não como um agente secreto ao serviço de sua majestade, mas dividida entre o marketing e a música. Vinda de uma família de músicos, Inês concilia as suas duas paixões e vai estrear-se a solo nos palcos nacionais em Almada a 29 de março, no Cineteatro Osvaldo Azinheira, na Academia Almadense (pode saber mais sobre o evento aqui).
Fomos conversar com a cantautora a propósito do seu percurso e do concerto:
A música já está há muito tempo da vida da Inês. Como foi este percurso?
Eu nasci no seio de uma família de músicos: sou filha de uma violinista, um guitarrista e – mais tarde – um cantautor. Aquilo que aprendi a amar e a desenvolver toda a vida, foi a música. O meu primeiro trabalho nesta área foi com 4 anos, para o programa “Arca de Noé”, e seguiram-se várias participações em desenhos animados, anúncios e coros para canções. Entretanto, estudei música clássica vinte anos (guitarra), e pelo caminho também aprendi piano e violino (embora este último caso não me tenha corrido tão bem). Penso muito em como a música para mim é uma mistura de identidade e de ofício: identidade porque, depois de trinta e oito anos, posso afirmar que a música não é algo que faço, mas sim algo que sou. Ofício porque estudei, trabalhei e dediquei muitas horas de criatividade, método e inspiração à música; ainda é o caso.
Vinda de uma família de artistas, como foi enveredar pelo marketing e deixar a música “para trás”?
Quando cheguei ao décimo segundo ano, combinava a certeza do amor e trabalho pela música, com um mar de dúvidas infinito quanto ao meu futuro. Na altura, a minha mãe aconselhou-me a estudar algo mais, pelo sim pelo não. Depois de muitos dilemas e alguma sorte, acabei por estudar Marketing, no ISCTE. Ao longo desses quase dezoito anos de profissão fui-me apaixonando por esta disciplina, que combina ciência e arte, e que me foi conquistando aos poucos. No entanto, nos primeiros anos, vivia esta carreira com uma espécie de infelicidade, que eu considerava um preço natural a pagar pela decisão que tinha tomado: escolher o marketing. Nunca deixei a música totalmente, ia compondo, participava em projetos soltos, mas não lançava o meu projeto musical, o que me deixava sempre uma certa angústia latente. Demorei muitos anos a aperceber-me que talvez não tivesse que ser assim. Penso muito em como a sociedade nos incute essa ideia de termos uma profissão e não várias, ou de que é normal um artista ter um trabalho extra num bar, mas não uma posição importante no mundo corporativo. Tudo isto são ideias pré-concebidas, muito enraizadas na nossa sociedade, e portanto, em mim também durante muito tempo.
Como é conciliar duas carreiras em áreas tão distintas?
Eu costumo dizer, em tom de graça, que sou um género de “galheteiro profissional”. Divido-me entre estas duas vidas que têm que ser geridas e equilibradas, dentro do possível, tanto em tempo como em energia vital. Conciliar estas duas carreiras requer disciplina, às vezes menos horas de sono, pouca vida social, uma grande resiliência e uma boa rede de apoio. Eu às 19h fecho o computador da empresa e abro o meu computador pessoal: onde gravo música, faço arranjos, programo lançamentos, organizo os concertos e trato da parte logística da minha música (já que sou artista independente). Por outro lado, também tenho às vezes que tirar dias de folga para poder trabalhar no estúdio, gravar música, trabalhar com produtores e músicos ou fazer concertos. Com o tempo aprendi que esta gestão tem muito menos a ver com o tempo, e mais com a energia vital. Independentemente de como é a o puzzle da nossa agenda, é muito importante termos noção de que atividades ou partes dos nossos ofícios e das nossas vidas requerem criatividade, pensamento, disponibilidade vital e inspiração. Se tivermos essa noção e nos conhecermos bem, conseguimos fazer tudo de forma mais respeitosa e produtiva connosco próprios. Nada disto é possível também, sem uma boa rede de apoio: o meu namorado, os meus amigos, a minha família e todas as pessoas que me ajudam e me mantêm equilibrada mental e emocionalmente.
Quando decidiu voltar à música?
Foi na altura da pandemia que – como tantas outras pessoas – pensei sobre a minha vida e enfrentei alguns fantasmas, e me apercebi que possivelmente o preço que eu pagava na minha carreira corporativa era demasiado alto para mim. Cheguei à conclusão de que não tinha necessariamente que escolher uma das duas profissões e que se eu tinha estudado e desenvolvido os dois ofícios, com formação, esforço, talento e excelência, não havia nenhuma razão para não desenvolver ambos de maneira profissional. Nesse momento arranquei com o meu projeto pessoal que, entretanto, deu origem a várias músicas e um EP publicados em todas as plataformas digitais, bem como a vários concertos em Madrid e agora em Lisboa. Às vezes perguntam-me (e pergunto-me) se gostaria de me dedicar só à música. De momento, a minha resposta é que não. Primeiro, porque o marketing – tal como a música – também é um trabalho em que combino paixão e esforço. Além disso, penso muito em como me teria ajudado talvez ter tido uma referência de alguém que tivesse duas profissões, que me mostrasse que não tinha de pagar um preço tão alto para ter uma carreira corporativa. Alguém que, de certa forma, me mostrasse que era possível fazer as coisas e viver a vida de outra maneira. Por pensar tudo isto, considero que é importante para mim continuar a tentar conciliar as duas profissões, não só porque as amo, mas também como reivindicação.
Como tem sido a recetividade do público?
Tenho de reconhecer que me sinto muito mais vulnerável quando aquilo que está em análise é a minha música, do que quando falamos de uma campanha ou estratégia que eu desenvolva no marketing. Como pessoa que trabalha em empresas, a quem se incutiu a importância dos resultados numéricos, às vezes é difícil não me frustrar ou não cair na tentação de julgar o meu trabalho artístico pelos números. Nestes quatro anos, já tive momentos em que tive mais de quinze mil ouvintes mensais no Spotify, e em que tive cem. Estas oscilações requerem uma viagem e gestão emocional da qual falo aqui porque considero que se fala pouco, e é preciso normalizar. A parte maravilhosa de tudo isto é que, feitas todas as contas, quando saímos do contexto das plataformas e dos seus algoritmos frios, as pessoas são quem validam a nossa arte: as mensagens que recebo ou pessoas que me dizem coisas como “ultrapassei uma separação graças à tua música”, fazem-me sentir que aquilo que faço vale a pena. Que a verdade com que o faço, chega às pessoas. Não só isso, mas os concertos que esgotei em Madrid e que agora levarei a cabo em Almada no dia 29 de março, também criam espaços muito especiais de partilha. Essa partilha e tudo aquilo que me chega das pessoas, é o meu combustível para continuar para a frente.
Fale-nos um pouco desta nova música, “Tudo Outra Vez”?
Há uns anos, quando estava a viver um dos momentos mais complicados da minha vida, lembro-me de uma noite em que sonhei que nascia outra vez e podia fazer tudo outra vez, para acabar num lugar diferente. Lembro-me de acordar, de ver que não tinha funcionado e que estava no mesmo sítio. Fiquei triste e o meu instinto foi sentar-me ao piano e compor esta música. Esta é a grande magia e a beleza da música e da arte: o facto de algo bom poder nascer de um lugar não tão bom. “Tudo outra vez” acabou por ser, talvez, a minha música preferida de todas as que já compus até hoje, e embora hoje em dia esteja num lugar e num momento mais positivo da minha vida, quis lançá-la. Quis fazê-lo não só por gostar dela musicalmente e por ter contado com a maravilhosa orquestração do Maestro Gonçalo Lourenço (que admiro muito), mas também porque é a minha forma de fazer uma homenagem a todas as pessoas que passam por provações realmente difíceis, às vezes sem contarem a ninguém, e que fazem as suas vidas quotidianas sem que as pessoas à sua volta façam ideia daquilo que estão a viver. Sei como esse sentimento pode ser solitário, e esta é a minha maneira de dizer que ninguém está sozinho, bem como de relembrar a importância de sermos gentis uns com os outros, já que nunca sabemos o que cada um está a viver interiormente.
Quais são as suas maiores influências?
Sempre tive um gosto eclético, em grande parte graças à família na qual cresci, pelo que sempre ouvi muitos tipos de música diferentes. Diria que as minhas melodias e harmonias bebem muito dos standards americanos dos anos 50, o meu gosto pela interpretação tem seguramente algo a ver com ter ouvido o Tony Bennet toda a vida. Também fui sempre uma assídua ouvinte de rap e hip-hop, o que me fez também ser uma apaixonada das palavras e da métrica. Ouvi muitos cantautores portugueses em quem me inspirei sempre, como o Jorge Palma, o Rui Veloso, o Sérgio Godinho e o próprio Carlos Alberto Moniz (meu padrasto), cuja influência o meu produtor espanhol diz ver presente nas minhas composições. Por último, diria que a minha grande paixão por harmonias vocais vem seguramente da influência da minha irmã Lúcia Moniz e de grupos como Boys II Men. Aliás, o formato que trago a Almada (e que fiz em Madrid) é composto por mim e um coro de três cantoras, que darão vida a essas harmonias que tanto gosto de criar.
O que podemos esperar deste concerto?
O formato que trago é um formato íntimo, em que partilho palco com a minha guitarra, o meu piano, um coro e alguns convidados. Chamei a este concerto “Como em casa”, porque realmente sinto que replica aquilo que vivi sempre em casa. Depois de ter feito este formato em Madrid e de cantar em algumas ocasiões algumas músicas minhas noutros formatos aqui por Portugal, devo dizer que aquilo que me parece mais especial neste concerto é o ambiente intimista que se cria. É uma hora e tal em que as músicas que criei na solidão da minha casa, de repente se tornam propriedade de toda a gente que está presente e isso faz com que cada pessoa tenha a sua própria vivência. Diria que aquilo que se pode esperar deste concerto, é uma partilha honesta, uma viagem por todos os (des)amores e vivências que tivemos. Às vezes, quando vejo que algumas pessoas do público se emocionam, sinto que este concerto é – para todos nós – uma espécie de reconciliação conosco próprios.
Porquê escolher Almada para primeiro concerto em Portugal?
Desde muito pequenina que tive uma ligação à Margem Sul. O meu pai sempre viveu entre a Costa e a Charneca da Caparica e muitas das minhas melhores memórias e experiências vitais aconteceram aqui. Depois de treze anos em Madrid, apercebi-me também de que quando viajo a Lisboa, na verdade quero é estar na Margem Sul, perto do mar, onde cresci e onde sempre me senti mais eu. Por me sentir assim, tenho aqui um apartamento e venho cá sempre que posso. Neste sentido, quando pensei num lugar para fazer o meu concerto no formato “Como em casa”, não podia realmente fazê-lo num lugar que não fosse a minha casa, e a Margem Sul é a minha casa. Por isso escolhi Almada, e tentarei sempre estar por aqui, onde me sinto feliz.