A Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea, em Almada, inicia um novo ciclo expositivo que promete marcar a agenda cultural da região. Até 11 de janeiro de 2026, o público pode visitar três propostas artísticas distintas, mas interligadas pela ideia de desenho expandido: “História armadura” de Jessica Warboys, “Meio-dia. A hora do coração” de Catarina Marques Domingues e “Line Array” de João Pimenta Gomes.
Mais do que exibições isoladas, estas mostras criam um diálogo entre si e com o espaço, refletindo sobre a relação do ser humano com a natureza, a matéria e o som.
O desenho como gesto alargado
O desenho, tradicionalmente associado ao traço no papel, surge aqui numa perspetiva inovadora. Na Casa da Cerca, esta prática é explorada como linguagem expandida, abrangendo a performance, a instalação, o livro de artista e até a criação sonora.
A instituição, reconhecida pela sua programação dedicada ao desenho contemporâneo, volta assim a afirmar-se como laboratório de experimentação artística, onde se cruzam diferentes disciplinas e sensibilidades.
“História armadura”: rituais entre tempo e matéria
Na Galeria Principal, a artista britânica Jessica Warboys apresenta “História armadura”, uma instalação que convoca pintura, cinema, escultura e performance. O seu processo criativo é profundamente intuitivo, alimentado por rituais que envolvem elementos da natureza — como a água, o vento, a areia e as pedras — que se tornam cúmplices do resultado final.
A exposição constrói uma narrativa poética onde mitos e memórias se entrelaçam com a matéria. O espaço é transformado num território de passagem, onde lugar, tempo e obra se confundem. Para o visitante, a experiência ultrapassa a contemplação visual e aproxima-se de uma vivência sensorial e espiritual.
“Meio-dia. A hora do coração”: o desenho como pele comum
Na Galeria do Pátio, prolongando-se até à Sala de Leitura do Centro de Documentação e Investigação Mestre Rogério Ribeiro, encontra-se “Meio-dia. A hora do coração”, de Catarina Marques Domingues.
Aqui, o desenho manifesta-se em dois registos: por um lado, as manchas aquosas que evocam processos espontâneos, fruto do encontro entre corpo, gesto e acaso; por outro, as linhas firmes e rigorosas, que revelam um lado mais consciente e preciso.
Entre estas duas linguagens, a artista reflete sobre a pele comum que liga o humano e a natureza, explorando a arte como espaço de reconhecimento mútuo. As obras transportam uma sensação de organicidade, como se fossem organismos em mutação, e ao mesmo tempo revelam uma atenção ao detalhe e ao ritmo do traço.
“Line Array”: o som como escultura
Na Cisterna, um dos espaços mais singulares da Casa da Cerca, encontra-se a instalação “Line Array”, de João Pimenta Gomes.
O artista parte de um sistema de colunas normalmente utilizado em grandes auditórios e reconfigura-o para a escala intimista da Cisterna. O resultado é uma escultura sonora que rompe com a sua função técnica habitual.
Ao libertar-se da lógica de eficiência acústica, o som assume aqui uma dimensão poética e escultórica. Mais do que ouvir, o público é convidado a sentir o som como matéria que ocupa, desenha e redefine o espaço.
Um espaço de encontro com a arte e a natureza
Com estas três propostas, a Casa da Cerca reforça o seu papel como um dos centros culturais de referência na Margem Sul. A diversidade das exposições mostra como o desenho pode ser simultaneamente gesto, registo natural e vibração sonora.
Ao longo de quase dois anos, este ciclo convida os visitantes a regressarem e a descobrirem novas camadas de leitura e experiência. A iniciativa reafirma a missão do espaço: criar pontes entre a arte contemporânea, a paisagem e o público.
A entrada é gratuita, reforçando o compromisso do município em democratizar o acesso à cultura e valorizar a Margem Sul como território de inovação artística.