O palco do Fórum Municipal Luísa Todi, em Setúbal, vai acolher uma das peças mais incisivas e emocionalmente potentes do teatro português contemporâneo: “Monólogos de uma Mulher Chamada Maria com a sua patroa”. A obra, interpretada por Sara Barros Leitão, chega à cidade para dar rosto, voz e corpo ao trabalho invisível das mulheres que, durante gerações, sustentaram famílias e casas que nunca foram as suas.
A peça, apresentada a 25 de novembro, é uma reflexão profunda sobre a desigualdade de género, a precariedade e a invisibilidade de milhares de mulheres que, sob o título de “empregadas domésticas”, viram o seu esforço apagado das narrativas oficiais. São mulheres que limpam, cozinham, cuidam e, ainda assim, raramente são vistas — a não ser quando o pó, inevitavelmente, volta a assentar.
A força de uma voz que fala por muitas
A peça é mais do que uma denúncia: é um ato de justiça simbólica. Sara Barros Leitão, sozinha em palco, assume o papel de Maria — um nome que aqui representa todas as mulheres que viveram à sombra das famílias que serviram. Com uma interpretação crua e visceral, Lello conduz o público por uma sucessão de memórias, gestos e silêncios que espelham o peso da servidão e a dignidade que resiste apesar dela.
A dramaturgia parte da experiência comum de milhares de mulheres anónimas — portuguesas e imigrantes — que continuam, ainda hoje, a trabalhar em casas alheias, muitas vezes sem contrato, segurança ou reconhecimento. O texto não procura heroínas, mas antes humanidade: revela o cansaço e a ternura, a raiva e o amor, a resignação e a vontade de existir para além da invisibilidade.
Um espelho para a sociedade
Ao longo do espetáculo, a relação entre “Maria” e “a sua patroa” torna-se um espelho das desigualdades sociais que persistem, mesmo quando disfarçadas de normalidade. As fronteiras entre intimidade e exploração, afeto e hierarquia, são expostas com uma honestidade desconfortável.
Em Setúbal, esta apresentação ganha uma dimensão particular: trata-se de uma cidade onde muitas destas histórias se cruzam no quotidiano, entre bairros e avenidas, entre o trabalho doméstico e o cuidado de crianças e idosos. O teatro torna-se, assim, uma ferramenta de memória coletiva — um lugar onde as vozes das “Marias” se tornam audíveis e onde a plateia é convidada a ouvir, sem poder desviar o olhar.
O projeto conta com o apoio da Câmara Municipal de Setúbal e integra uma programação mais ampla dedicada à igualdade de género e à valorização do trabalho feminino. A autarquia sublinha que esta peça é também um contributo artístico e político para repensar a forma como a sociedade encara o papel das mulheres no mundo do trabalho e nas relações de poder.
Da invisibilidade à criação
“Monólogos de uma Mulher Chamada Maria com a sua patroa” estreou originalmente em 2022 e tem percorrido o país, deixando um rasto de emoção e reflexão por onde passa. A encenação minimalista de potencia a palavra e o gesto, reduzindo o cenário ao essencial para concentrar toda a atenção na força da interpretação. O resultado é um espetáculo íntimo, quase confessional, onde cada pausa e cada olhar carregam séculos de silêncio.
Em Setúbal, o Fórum Luísa Todi será o espaço de mais uma dessas confissões coletivas. O público encontrará não apenas uma peça de teatro, mas um retrato de classe, de género e de resistência. É um convite à empatia e à consciência — uma oportunidade para reconhecer que a história das “Marias” é, em grande medida, a história de Portugal.
O espetáculo convida a olhar de frente para as relações que estruturam o quotidiano e a compreender que o trabalho invisível das mulheres é, na verdade, a base sobre a qual se ergue a sociedade.
Serviço e bilhetes
“Monólogos de uma Mulher Chamada Maria com a sua patroa” será apresentado no Fórum Municipal Luísa Todi, em Setúbal, a 25 de novembro, às 21h00. Os bilhetes já se encontram à venda na Bilheteira Online (BOL) e no próprio Fórum.
Mais do que um espetáculo, trata-se de um tributo à coragem silenciosa das mulheres que, entre vassouras e sonhos adiados, ajudaram a construir o país — mesmo quando ninguém estava a ver.



