Em Almada, há bicicletas que não correm contra o tempo — pedalam com ele. Chama-se “Pedalar sem Idade”, e é uma daquelas ideias simples e geniais que lembram que envelhecer não é o mesmo que parar. O projeto, lançado no concelho com o apoio da Câmara Municipal e de várias instituições locais, está a levar os idosos de lares e centros de dia a passear de triciclo pelas ruas, jardins e zonas ribeirinhas, conduzidos por voluntários de todas as idades.
A imagem é irresistível: dois passageiros à frente, sorridentes, enrolados em mantas nos dias frios, guiados por um “piloto” que pedala atrás. Mas o que parece um simples passeio de bicicleta é, na verdade, um gesto de profunda humanidade. Porque o que se partilha não é só o vento no rosto — é a sensação de voltar a pertencer ao mundo lá fora.
Um passeio com destino à dignidade
O conceito nasceu em Copenhaga, em 2012, pela mão do dinamarquês Ole Kassow, que queria combater a solidão dos mais velhos e devolver-lhes o prazer de se moverem pela cidade. Hoje, o movimento Cycling Without Age (“Pedalar sem Idade”) existe em mais de 50 países, e Portugal é um dos que mais crescem no mapa das boas ideias.
Em Almada, a iniciativa ganhou corpo através de parcerias com lares e associações locais. Os triciclos — bicicletas adaptadas com bancos dianteiros e assistência elétrica — circulam por zonas planas e seguras, muitas vezes junto ao Tejo, num trajeto que mistura ar livre e histórias partilhadas.
A cada volta, há memórias que voltam à tona: o mercado da infância, o cheiro a maresia, a escola primária onde se aprendeu a escrever. Pequenos flashes de uma vida que ganha de novo movimento.
Voluntários que pedalam com o coração
Sob o lema “No Nosso Trishaw Cabe Qualquer Avó”, qualquer pessoa pode ser voluntária. Basta ter boa disposição e saber andar de bicicleta — o resto aprende-se num pequeno treino. São estudantes, trabalhadores, reformados e até famílias inteiras que, ao fim de semana, trocam o sofá por uma pedalada solidária. Pode saber mais aqui.
Os “pilotos” dizem que ganham tanto quanto dão. Uns falam do prazer de ouvir histórias que atravessam o século; outros destacam o impacto emocional do projeto, visível nos olhos dos passageiros. “Ver a alegria deles ao sair do lar é o suficiente para querer repetir”, resume uma das voluntárias.
Há quem diga que o triciclo é um veículo de tempo: leva as pessoas a sítios, mas também as traz de volta a si próprias.
A Almada que se move com empatia
A autarquia almadense tem reforçado o apoio logístico e financeiro à iniciativa, integrando-a na sua política de envelhecimento ativo. O projeto não é apenas uma atividade recreativa — é um contributo real para o bem-estar físico e psicológico dos participantes.
Os benefícios são visíveis: melhoram-se os estados de humor, combatem-se o isolamento e a depressão, e reforçam-se os laços entre gerações. A experiência de pedalar em conjunto transforma-se num momento comunitário, onde cada sorriso conta como quilómetro percorrido.
E há ainda um detalhe que torna tudo mais simbólico: as bicicletas são silenciosas, ecológicas e movidas pela força humana — uma metáfora perfeita para o que se pretende com o projeto. Em Almada, a mobilidade é também uma forma de cuidar.
Mais do que pedalar: relembrar que a vida continua em movimento
Num tempo em que se fala tanto de envelhecimento, “Pedalar sem Idade” recorda que a longevidade não se mede em anos, mas em experiências. Cada passeio é uma celebração da autonomia, uma recusa do esquecimento.
Há quem, depois de um desses passeios, diga simplesmente: “Há tanto tempo que não via o rio assim.” Frases pequenas, mas carregadas de significado — a prova de que a felicidade, às vezes, cabe num banco de triciclo.
Enquanto houver vontade e pernas para pedalar, Almada continuará a mostrar que envelhecer não é desacelerar — é aprender a seguir em frente, com o coração a conduzir o guiador.



