A cultura é, muitas vezes, a casa que nenhuma escavadora consegue destruir. Esta máxima ganha vida no Barreiro, onde o Tukina Festival surge como um símbolo de resistência, solidariedade e celebração comunitária. Entre os dias 24 e 26 de outubro, a cidade transforma-se num palco pulsante de música, arte e memória, honrando o lendário Selecta Toy Kool, pioneiro do reggae em Portugal.
Um lar demolido, uma comunidade em ação
Tudo começou no inverno de 2024. António Paulo, mais conhecido como Toy Kool, que veio de Angola e se estabeleceu no Barreiro em 2017, viu a sua casa no Bico do Mexilhoeiro ser demolida. Mais do que uma residência, aquele espaço era um santuário cultural, onde o reggae reverberava e a comunidade se encontrava. Na altura, Toy Kool enfrentava graves problemas de saúde respiratória e estava em coma no hospital Amadora-Sintra, tornando a perda ainda mais dolorosa.
A resposta da cidade não se fez esperar. Amigos, músicos e moradores uniram-se em festas solidárias que rapidamente evoluíram para um movimento cultural: o Tukina. Nasceu assim a ideia de um festival que não só homenageia Toy Kool, mas também reforça o espírito comunitário que ele sempre cultivou.
Um festival que é muito mais do que música
O Tukina Festival não se limita a concertos. Durante três dias, a partir das 18 horas, a ADAO – Associação Desenvolvimento Artes e Ofícios – acolhe 30 atuações que transformam o Barreiro num verdadeiro epicentro cultural. Enquanto o reggae roots, género nascido da resistência, ecoa pelos espaços, rodas de conversa, workshops e exposições de arte celebram a vida comunitária que deu origem ao movimento.
A gastronomia partilhada complementa o programa, criando momentos de encontro e de partilha entre visitantes e artistas. Cada batida do soundsystem torna-se um ato de resistência e solidariedade, lembrando que a cultura não se mede pelo espaço físico, mas pela energia e criatividade de quem a vive.
Do luto à celebração
O Tukina Festival é a prova de que as histórias individuais podem transformar-se em narrativas coletivas. A demolição da casa de Toy Kool poderia ter sido apenas um episódio de perda e tristeza. Em vez disso, tornou-se um catalisador para a ação cultural e solidária, mostrando que a memória coletiva pode vencer o valor monetário de um lugar.
Toy Kool, que desde o despejo vive numa caravana na região de Sintra, volta temporariamente ao Barreiro, recuperando o seu espaço simbólico e partilhando-o com todos que participam no festival. O objetivo é que este regresso seja apenas o início de um novo capítulo, onde a cultura e a comunidade permanecem invencíveis.
Um exemplo de resistência cultural
O Barreiro, com o Tukina Festival, transforma-se num microcosmo de uma luta global: a defesa de lugares significativos na memória coletiva face à pressão do mercado imobiliário. Mais do que um evento musical, o festival é um organismo vivo que pulsa com a força da partilha, coragem e solidariedade. É a celebração de que, mesmo quando a escavadora destrói paredes, não consegue apagar histórias, sonhos e ritmos que unem pessoas.
Durante três dias, todos são convidados a fazer parte desta narrativa. Cada concerto, cada conversa e cada prato partilhado é uma peça de um mosaico maior, onde a música, a arte e a comunidade se unem para provar que a cultura é, de facto, a casa que ninguém pode demolir.



