ENTREVISTA A DILIA SAMARTH

No passado dia 30 de janeiro, no Dia Internacional da Paz e da Não Violência Escolar, decorreu um evento de homenagem ao Professor Doutor Anil Samarth.O evento assinalou o arranque do 50º aniversário do restabelecimento das relações diplomáticas entre Portugal e a Índia. Anil Samarth viveu na cidade de Setúbal e foi um reconhecido professor em várias universidades, incluindo na ESE (Escola Superior de Educação/IPS) em Setúbal.

Fomos então falar com a sua esposa, Dilia Samarth, professora, artista, estudiosa  e eterna aprendiz da vida, para descobrirmos um pouco mais sobre ela e sobre o seu marido.

1) Teve um percurso académico bastante variado. O que a levou a estudar temas tão diferentes como Biologia, Serviço Social e Artes/Desenho?

Se partirmos do princípio, que a dinâmica da nossa existência se constitui a partir de uma base com interferências de diversa ordem, as diferentes disciplinas do conhecimento humano que fizeram parte da minha formação académica, estará justificada.

No entanto a Biologia sendo o estudo científico da Vida, nasce do contacto direto com a Natureza, a partir do lugar de origem do meu aparecimento no planeta Terra, Kwanza-Norte/Angola.

O Serviço Social aparece como complemento científico para a compreensão da Sociedade/Mundo

na medida em que as suas componentes teóricas passam pela área das Ciências Sociais, ajudando-me a dar forma ao meu carácter critico e interventivo, manifestado desde tenra idade, o que me permitiu definir o meu papel enquanto Ser Social e Político.

A questão das Artes aparece como uma forma/arma estética, de poder dizer por imagens, aquilo que por palavras poderia ser interdito. Por outro lado, com o tempo compreendi que com o exercício criativo, aprendemos a ser mais críticos, independentes e melhores seres humanos.

Talvez não seja por acaso que os sistemas de educação não investem, não valorizam as disciplinas ligadas a Arte e a Cultura.

2) Nas suas obras, parece haver uma certa ligação a Agostinho Neto. De que forma, acredita que as suas obras a impactaram?

As obras a que faz referência correspondem a um interesse especifico que está ligado a qualidade e atualidade do pensamento do Poeta Agostinho Neto.

Refleti em termos estético/plásticos, sobre os poemas que escreveu a partir dos seus18 anos, com destaque para Sagrada Esperança e Renúncia Impossível. Esta obra corresponde simplesmente a uma fase do meu trabalho.

3) Em 2017, participou no programa RTP “Gente da Minha Rua”, mostrando a pessoa por trás da arte. De que forma sente que a “contradição” que era enquanto criança, mudou a sua vida e a sua arte?

Uma questão muito pertinente. Realmente a “contradição” que era enquanto criança, ajudou-me desde então, a fazer da minha vida um Exercício Diário, para ajudar a construir um Mundo Verdadeiro, com Bondade e Beleza! Agora que vou a caminho dos 90 anos, continuo a ser a mesma Contradição mas de Cabelos Brancos.

4) Falando do seu marido, o Professor Anil Samarth, de que forma o seu trabalho moldou a compreensão da ligação entre a India e Portugal?

O Professor Anil Samarth, chegou à minha vida como um farol, ajudando-me a aprofundar os meus conhecimentos ao nível da História Moderna, na medida em que se tratava de um investigador, com um longo percurso caracterizado por uma inquestionável competência científica e humana.

Tinha feito toda a formação académica na Índia, terminando o grau de doutoramento em História, na Universidade de Visva Bharati, fundada por Rabindranath Tagore.

Anil Samarth, embora tivesse crescido, no seio de uma família Hindu Brâmane, cedo aprendeu a questionar os valores sociais e cresce imbuído de princípios de “Verdade, Bondade, Beleza, Liberdade e um profundo amor pelo conhecimento. Posso dizer que desde o início, percebemos que a nossa relação passaria pela construção de um espaço mental e material, onde o Mundo pudesse fazer uma Casa num simples Ninho. Afinal a Nossa Vida correspondeu a uma Aprendizagem, já que os dois entendíamos esta passagem pela Mãe-Terra, como uma Escola.

5) De que forma o Professor Anil Samarth contribuiu para o conhecimento intercultural e académico entre Portugal e a Ìndia?

O professor Anil Samarth, foi um dos primeiros intelectuais indianos, senão o primeiro, que não era oriundo dos domínios indianos, que pertenceram ao Império Português, a fazer parte do corpo docente do meio académico português.

Desta forma a sua presença, quer na academia quer na sociedade em geral, constituiu no século passado, um certo “choque” que se manifestou em diversas formas, nem sempre agradáveis.

No entanto, a sua contribuição a nível académico, foi notória e respeitada, devido a sua presença na Sociedade de Geografia de Lisboa, na Biblioteca Nacional ou nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. No ano em Portugal celebrou a “Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia”, o Professor Anil, participou essencialmente em palestras na Sociedade de Geografia de Lisboa. Podemos afirmar que a presença de Anil em Portugal, despertou o interesse nos meios académicos, pelos Estudos Indianos, que à época era na academia, uma área omissa/periférica. Desta forma, em 1999 a Universidade Independente, inicia o Centro de Estudos Asiáticos, seguindo-se outras instituições, como a Faculdade de Letras do Porto e a Escola Superior de Educação de Setúbal, onde Anil Samarth exerceu o cargo de professor das seguintes disciplinas: História Cultural da India, Hindi,língua oficial da India,  Filosofia de Mhatma Gandhi e Filosofia de Bhuda.

Pela sua atualidade, deixamos aqui registadas duas perguntas formuladas por Samarth: “Quantos livros existem em português acerca de uma História compreensiva da Índia, baseada em fontes de línguas indianas? “Quantos livros em línguas indianas existem na India sobre a História compreensiva de Portugal? Como compreender e aceitar o desconhecimento da India, quando os Lusíadas, a maior obra épica da literatura portuguesa, tem como assunto a viagem de Vasco da Gama à Índia?

6) O que significa para si o evento de homenagem ao Professor Anil Samarth, na Sociedade de Geografia de Lisboa?

A cerimónia que teve lugar no dia 30 de Janeiro na Sociedade de Geografia, foi o resultado dos esforços realizados pela Associação Indo-Europeia para a Ciência e Artes (AIECA) no sentido de prestar uma homenagem póstuma, a um intelectual indiano, que viveu e trabalhou em Portugal, quando a Índia representava ainda uma miragem.

A referida associação, na pessoa do seu Presidente Hiren Canacsinh, tendo conhecimento do valor do professor, no que concerne a aproximação cultural e académica entre Portugal e a Índia, resolveu realizar a homenagem na Sociedade de Geografia, assinalando ao mesmo tempo, os 50 anos do Restabelecimento das Relações Diplomáticas entre os dois países.

7) Num momento em que, a nível mundial a guerra parece estar constantemente nas nossas vidas, qual a importância de se valorizar a diversidade cultural, cooperação internacional ou simplesmente falar de paz?

A História da Humanidade é rica em exemplos de guerras de vária ordem, por diversas razões, com diversas técnicas e em múltiplas geografias. Hoje continuamos a ser confrontados diariamente com a arrogância/ignorância da nossa espécie, superiormente auto proclamada.

Na longa história da nossa presença no planeta Terra, a diversidade cultural sempre foi uma das características constantes da nossa espécie. Precisamos de refletir sobre as causas da Negação Secular dessa diversidade e das consequências nefastas e cruéis com que ainda somos confrontados diariamente.

8) Para terminar, tem alguma história ou reflexão que nos possa contar sobre a vossa história juntos, que sinta fossem contribuições que ultrapassaram fronteiras geográficas e académicas?

A história de amor que nos manteve durante longos anos, constituiu um exercício quase diário de aprender a lidar com o generalizado pensamento de sentido único. Constatamos até ao derradeiro dia, que ainda vivemos numa sociedade formatada por preconceitos secularmente enraizados, provocando sérios danos no tecido social. No entanto deu-nos igualmente oportunidade de compreendermos a BELEZA DO NOSSO DIVERSO UNIVERSO.

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